Uretra Feminina
No passado a uretra feminina pagou um preço muito alto, devido aos nossos escassos conhecimentos a respeito da dinâmica da micção. Os aspectos radiológicos que sugeriam estenose (uretra em pião, em ânfora, etc...) nada mais refletiam do que uma disfunção miccional.
Na prática encontramos muito raramente a hipospádia feminina e discute-se a existência de duplicidade uretral e válvula uretral. O divertículo uretral que se encontra na mulher adulta não é visto na infância.
Válvula de Uretra Posterior
A embriologia da uretra masculina é complexa e pouco conhecida. A formação da uretra deve ser considerada em duas fases:
- diferenciação da cloaca (seio urogenital), originando a uretra posterior;
- tubulização da placa uretral, que dará origem à uretra anterior.
A válvula de uretra posterior é um obstáculo na região do veromontanum que em sendo congênito, dependendo da gravidade, pode trazer sérios riscos ao recém-nato.
Foi inicialmente descrita por Largenback em 1802 e definitivamente por Young em 1912.
É a causa mais comum de disúria do menino. Incide em 1 a cada 5.000 a 8.000 nascimentos masculinos.
Válvula de Uretra Posterior
Classificação
Inicialmente classificada em 3 tipos por Young, hoje sabemos que o tipo II não existe; porém, mantemos a classificação histórica de tipo I a mais freqüente (95% dos casos) e tipo III (os 5% restantes). A classificação é bem teórica, porque na prática a sintomatologia e o tratamento são idênticos nos dois tipos.
Tipo I – É uma membrana obstrutiva que vai da porção posterior distal do veromontanum até a parede uretral anterior. Sua embriologia não é inteiramente conhecida, mas acredita-se que ela seja o resultado final da inserção anômala do ducto mesonéfrico na primitiva cloaca fetal.
Tipo III – A etiologia mais provável é a que ela seria o resultado da dissolução incompleta da membrana urogenital. A membrana obstrutiva está situada distalmente ao veromontanum no nível da uretra membranosa. Classicamente descrita como uma membrana em forma de anel com uma abertura central.
 |
Sintomatologia
O início e a intensidade dos sintomas estão na relação direta do grau de obstrução, sendo dependente da idade. No recém-nato podem ocorrer: massa abdominal palpável (globo vesical, hidronefrose), ascite ou distúrbio respiratório (hipoplasia pulmonar). Geralmente são quadros graves, que podem levar a uremia, infecção e morte. Nas crianças que sobrevivem, o percentual de pacientes com lesão renal grave é alto, ocorrendo evolução para insuficiência renal na vida adulta.
Quando o diagnóstico é feito em crianças maiores ou mesmo na idade escolar, a gravidade da obstrução é menor e a queixa mais comum é compatível com disfunção miccional. Hoje com o uso rotineiro do ultra-som obstétrico, a grande maioria dos diagnósticos é feita ao nascimento, devido a suspeita intra-uterina.
Fisiopatologia
A válvula de uretra posterior pode lesar a parede vesical, ureteral e o parênquima renal. Estas lesões podem persistir mesmo após o tratamento da causa. As lesões mais comuns são:
Filtração glomerular – No passado não era infreqüente a morte do recém-nato devido as graves lesões renais decorrentes da válvula de uretra posterior. Hoje com o diagnóstico intra-uterino e avanços na neonatologia, diálise e transplantes estes óbitos tem sido evitados e aqueles que ainda morrem são devidos à hipoplasia pulmonar.
Função tubular renal – Devidos às altas pressões nas vias excretoras, sempre a primeira parte a ser lesada é a porção distal do néfron, levando à instabilidade na concentração urinária.
Hidronefrose – Em casos graves, a dilatação da bexiga e ureter é encontrada com freqüência, assim como a dilatação do rim. Após o tratamento da válvula ou derivação vesical, nota-se gradual e substancial redução da hidronefrose. Quando isto não ocorre devemos pensar em estenose de junção ou lesão muscular do ureter.
 |
Refluxo vésico-ureteral – É extremamente comum a presença de refluxo (30-50%) por ocasião do diagnóstico de válvula de uretra. Raramente ele é primário (devido a anormalidade do coto ureteral), sendo geralmente secundário à pressão elevada intra-vesical, com desenvolvimento de divertículo paraureteral e perda do mecanismo valvular ureterovesical. Após o tratamento da válvula cerca de 1/3 dos casos resolvem-se espontaneamente e outro 1/3 persiste porém sem repercussão clinica e laboratorial. O restante deve ser acompanhado e quando necessário indicar-se a cirurgia de reimplante, geralmente com modelagem ureteral.
Disfunção vesical – Inicialmente pensava-se que as crianças portadoras de incontinência urinária após o tratamento da válvula uretral tivessem alteração do esfíncter. Porém hoje, com os exames urodinâmicos, detectam-se alterações na função vesical que nem sempre desaparecem após o tratamento da válvula, sendo importante diagnosticar e tratar a disfunção.
Tratamento
Pré-operatório
A função renal e a idade não são muito importantes na abordagem e principalmente no tratamento da válvula de uretra posterior.
Em crianças maiores com disfunção vesical e com boa função renal, o tratamento apenas com destruição endoscópica da válvula é suficiente. Em crianças em que persiste a disfunção, pode haver a necessidade de drogas e quando o refluxo é significativo, correção cirúrgica.
Pós-operatório
Os maiores problemas ocorrem com as crianças recém-nascidas. Feito a suspeita intra-útero, logo ao nascer temos que tratar a criança. A colocação de cateter vesical e antibioticoterapia permite preservar a função renal e evitar sepsis. Na presença de função renal normal devemos cauterizar a válvula, com endoscópio muito fino ou quando não for possível, por via anterógrada percutânea. Devemos usar eletrodos cauterizantes e não alças. Não se deve mexer no colo vesical. A incisão deve ser realizada as 4-8 horas e principalmente as 12 horas, em toda a extensão da válvula, evitando-se ir muito fundo. Deixamos sonda uretral por 24 a 48 horas.
O maior problema está no recém-nato com insuficiência renal. As opções de tratamento são:
- destruição endoscópica da válvula;
- vesicostomia;
- derivação ureteral alta.
Estas opções podem ser utilizadas com questionamentos. Atualmente nossa conduta é a de tentar tratar todas as crianças com cauterização primária da válvula e somente derivar quando a creatinina for > 1,8 mg/dl ou em casos de infecção rebelde a antibioticoterapia. Quando necessário utilizamos a nefrostomia percutânea com anestesia local ou a ureterostomia cutânea alta.
Hipospádia
 |
É uma anomalia congênita que resulta do desenvolvimento incompleto da uretra anterior e é um dos defeitos congênitos mais comuns do sexo masculino. A incidência é de 1 para cada 300 nascimentos do sexo masculino. A falha no desenvolvimento da uretra inibe o desenvolvimento do prepúcio ventral, ocasionando o aparecimento do capuchão dorsal que está presente na maioria dos casos.
Quanto mais proximal, mais grave será o caso e também se associará ao tecido fibroso que substituí a uretra e o corpo esponjoso. O cordee – que leva a um curvamento peniano ventral.
Parece haver uma predisposição genética; pois, quando o pai teve hipospádia o filho tem 26% de chance de apresentá-la. Outras alterações congênitas como: criptorquidia e hérnia inguinal podem estar associadas, sendo encontradas em 16% das hipospádias. O trato urinário superior parece não ter incidência alterada de alterações congênitas associadas a hipospádia.
Classificação
A classificação de acordo com a posição do meato original, proposta por Browne em 1936, foi substituída pela de John W. Duckett, que classifica pela posição do meato após a ressecção do cordee – a ortofaloplastia.
 |
Como já foi mencionado anteriormente, quanto mais proximal, ou seja, quanto maior for a extensão sem a uretra, mais difícil será a correção cirúrgica. Porém, como pode ser visto na figura acima, a grande maioria dos casos, situa-se na porção distal, o que facilita o tratamento. As hipospádias mais graves, escrotais e perineais, podem estar associadas a intersexo e devem ser pesquisadas.
Quando operar?
No passado a cirurgia era realizada em torno do sexto ano de vida, com o argumento de que o pênis cresceria e seria tecnicamente melhor.
Hoje sugerimos que a cirurgia seja feita entre 6 e 12 meses de idade. Após este período o pênis só crescerá na adolescência e nesta idade não teremos o trauma psicológico que encontramos na criança maior. O risco anestésico após o sexto mês é semelhante ao do adulto.
Técnica cirúrgica
Durante décadas os cirurgiões foram desenvolvendo técnicas para a correção da hipospádia, acrescentando detalhes nas anteriores, introduzindo novos fios e novas derivações. Dentre as centenas de técnicas algumas se destacam e são utilizadas pela maioria dos cirurgiões. Até o início da década de 70 a cirurgia era realizada em dois ou mais tempos, sendo o primeiro tempo a ortofaloplastia. Com a introdução da ereção artificial por Rubem Gittes iniciou-se a fase atual da correção, em um só tempo.
Detalhes Técnicos
O objetivo do tratamento é conseguir um pênis retificado com meato o mais próximo possível do local normal.
As fases da cirurgia incluem:
1. Meatoplastia e glanuloplastia
2. Ortofaloplastia (retificar o pênis)
3. Uretroplastia
4. Cobertura com pele
5. Escrotoplastia, quando necessária.
Os cuidados com a técnica incluem: cuidados redobrados com dissecção, não utilização de bisturi elétrico, hemostasia cuidadosa, material cirúrgico delicado e fio cirúrgico não hidrópico
Hipospádia Distal
Várias técnicas cirúrgicas foram utilizadas através dos tempos, sendo as principais:
1. MAGPI – Meatoplastia com glanuloplastia. Desenvolvida por John Duckett. Atrai pela simplicidade, mas não proporciona um bom aspecto.
2. ARAP – Modificação do MAGPI que melhora o aspecto estético, mas aumenta a porcentagem de fístula.
3. MATHIEU - Técnica muito utilizada, com porcentagem maior de complicações, principalmente: fístula e retração do meato à longo prazo.
 |
A partir de 1994, Snoodgrass descreveu sua técnica, conhecida por TIP (Tubularized incised plate) porque o seu princípio básico é a incisão da placa uretral seguida de sua tubularização. É uma técnica muito boa, com baixo índice de complicações e com bom aspecto estético final. É a técnica mais utilizada atualmente.
Porém alguns princípios devem ser observados além dos cuidados já citados:
1. Não utiliza-la em crianças que tem glande muito pequena, cônica
2. Quando houver cordee pequeno, associar a técnica de Nesbit e quando for muito grande, utilizar outra técnica
3. Não incisar a placa até o final, entrando na glande; pois, isto favorece o aparecimento de estenose
4. Utilizar molde de silicone canaletado, por aproximadamente 7 dias.
 |
 |
 |
 |
Curvatura Congênita
A curvatura congênita sem hipospádia é bem mais rara; porém, é uma patologia que deve ser mencionada dentro dos graves problemas psicológicos que acarreta.
Ela pode ser:
• Curvatura com corpo esponjoso normal - Tem todo o aspecto normal; porém, com prepúcio incompleto. Sempre é para baixo, podendo às vezes ser também lateral. O tratamento é realizado com a técnica de Nesbit.
• Curvatura com segmento uretral incompleto. O meato uretral é bem distal, o prepúcio é incompleto e a porção ventral não é normal com a uretra muito superficial.
O tratamento diverge de autor para autor. A maioria, devido à fragilidade da uretra, prefere manter a uretra distal glandar e sacrificar a uretra peniana distal, reconstruindo posteriormente como se fosse uma hipospádia.
Epispádia
É uma malformação congênita caracterizada por uma aplasia parcial ou total da face superior da uretra. É muito rara (um caso para cada 30 ou 100 mil nascimentos). Afeta principalmente o sexo masculino; porém, também acomete o feminino (5:1). Quando temos a aplasia parcial, origina-se a epispádia balânica ou peniana e quando a aplasia é completa encontramos as epispádias penopubianas e subpubianas. Estes casos são mais graves e mais freqüentes, geralmente associadas a incontinência urinária, devido a aplasia ou hipoplasia do esfíncter estriado.
O tratamento é diferente, dependendo da presença ou não da incontinência; porém, é sempre cirúrgico.
Pólipo de Uretra Posterior
É uma patologia rara constituída por uma tumoração sólida, pediculada, geralmente originada próximo ao veromontanum. Não é um tumor, mas sim uma protusão congênita da parede uretral, única, medindo de 1 a 3 cm. A sintomatologia é a dificuldade miccional e a hematúria e seu tratamento consiste na ressecção endoscópica.
Uretra Acessória
Tem origem embriológica obscura, é rara e as vezes sem complicações. Pode ser dorsal ou ventral, configurando uma hipospádia. Pode ser completa ou incompleta. Geralmente não há necessidade de tratamento cirúrgico, a não ser quando existe infecção urinária recidivante ou por estética.
Divertículo Uretral
É uma patologia rara, que acomete o sexo masculino, desenvolvendo-se na face ventral da uretra. Sua principal característica é o caráter obstrutivo. A urina entra facilmente no interior do divertículo durante a micção, distendendo-o e levando à retenção. Geralmente localiza-se em uretra bulbar ou no ângulo peno-escrotal.
O tratamento é sempre cirúrgico, indo desde o endoscópico nos pequenos divertículos até o cirúrgico em dois tempos, nos divertículos maiores.
Megauretra
É uma patologia rara, geralmente associada à síndrome de Prune-Belly, sendo sua forma mais freqüente a escafóide. Nesta variedade existe uma ausência total do corpo esponjoso e os cavernosos são afilados e alongados. Isto confere ao pênis um aspecto de barco.
Pode haver necessidade de uma correção estética. A forma fusiforme é extremamente grave.
Fimose
É definida como a impossibilidade de retrair a pele do prepúcio e conseqüentemente expor a glande.
Todo recém-nascido tem o que podemos chamar de fimose funcional (somente em 4% o prepúcio é retrátil). Porém, com o crescimento, o prepúcio irá se tornando retrátil espontaneamente e assim com 6 meses 20% já conseguem expor a glande e com 3 anos só 10% dos meninos ainda tem fimose. O tratamento cirúrgico é completamente diferente em diferentes regiões e culturas do mundo. Nos Estados Unidos quase todos os meninos eram submetidos à cirurgia; porém, nos últimos anos vêem-se diminuindo muito a indicação cirúrgica, mas ainda se opera muito.
Indicação
Existem algumas indicações precisas para a circuncisão, mas nenhuma no recém-nascido. São indicações de postectomia a verdadeira fimose patológica, a parafimose, a balanopostite e o esmegma infectado.
Recentemente alguns trabalhos têm procurado demonstrar um aumento de infecção urinária em meninos com fimose e com isto indicando maior número de cirurgias.
O câncer de pênis, o câncer de colo uterino na mulher e a maior incidência de HPV têm sido citadas como argumento para a realização da cirurgia. Os judeus que realizam a circuncisão de rotina ao nascimento têm uma incidência muito pequena desses tumores; porém, aqueles homens que foram operados na adolescência apresentam incidência semelhante àqueles que não foram operados.
Indicação
Existem algumas indicações precisas para a circuncisão, mas nenhuma no recém-nascido. São indicações de postectomia a verdadeira fimose patológica, a parafimose, a balanopostite e o esmegma infectado.
Recentemente alguns trabalhos têm procurado demonstrar um aumento de infecção urinária em meninos com fimose e com isto indicando maior número de cirurgias.
O câncer de pênis, o câncer de colo uterino na mulher e a maior incidência de HPV têm sido citadas como argumento para a realização da cirurgia. Os judeus que realizam a circuncisão de rotina ao nascimento têm uma incidência muito pequena desses tumores; porém, aqueles homens que foram operados na adolescência apresentam incidência semelhante àqueles que não foram operados.
Cirurgia
Muitos métodos são utilizados no tratamento da fimose. O objetivo é sempre o mesmo: remover pele e prepúcio suficientes para expor a glande e o meato. Devemos nos ater a princípios básicos: assepsia adequada; retirada da pele do prepúcio; hemostasia e proteção da glande. Na criança a cirurgia deve ser realizada sob anestesia geral.
 |
Primeira Circuncisão
Segunda Circuncisão
Incisão mediana dorsal do limite do prepúcio.
Descapamento da glande.
Exérese de um cilindro de pele e de mucosa
Apesar de todo o cuidado ainda podemos encontrar cerca de 0,5% de complicações simples, como: sangramento, aderência, edema e graves, como: fístula uretro-cutânea e necrose. A circuncisão é uma cirurgia geralmente simples e segura, quando feita por cirurgião experiente.